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MORRER CURADO?

Atualizado: 21 de set. de 2020

Por Giulio Vicini (e-mail: v.giulio@hotmail.com Mestre em Gerontologia, Psicólogo

Self-Healing Massage Practitioner/Educator  autor do livro "Abraço afetuoso em corpo sofrido - Saúde integral para idosos"  editado por SENAC-SP



Falar de morte em portal de gerontologia[1] pode soar como falar de corda em casa de enforcado. É comum as pessoas associarem morte a velhice, como se a velhice fosse causa da morte. E como a morte é "coisa ruim", a velhice também passa a ser algo "assombrado" pela figura da morte. A velhice é vista por muitos não como um período de vida tão passível de êxitos quanto os outros -infância, juventude e maturidade, mas como um tempo de espera (geralmente em estado de depressão) do fim da vida.  Envelhecer é morrer? A velhice é um fato sócio-cultural e não um processo biológico e, portanto, ela não pode interferir na vida biológica do ser. As idades da velhice mudam com o mudar do "envelhecimento" da sociedade humana: antigamente envelhecia-se e morria-se (em média) em idade muito mais juvenil do que hoje e daqui a, digamos, 50 anos, provavelmente as pessoas morrerão (em média) em idade mais adiantada do que hoje. Como para a infância, a juventude e a maturidade, a idade da velhice é o período em que a sociedade espera que as pessoas se comportem de acordo com papéis que ela ajudou a definir; por exemplo, é a idade de ser avô ou avó, de se aposentar, de manifestar sabedoria e recolhimento, de se preparar para a morte.  Velhice, então, é um fato sócio-cultural; entretanto, envelhecimento é um fato biológico, ainda não totalmente esclarecido pela ciência. Ele consiste em perdas funcionais limitadas em nossos órgãos - por exemplo, a partir dos 20 anos começamos a perder um pouco de nossa capacidade de sentir cheiros. Dessa forma, algum dia, um ou vários de nossos órgãos cessam de funcionar a contento, sob a influência das condições de vida que cada um possui, provocando nossa morte. Somos, então, levados a pensar que o envelhecimento causa nossa morte. Mas, se assim fosse, só velhos morreriam. Todos sabemos que é suficiente estarmos vivos para morrermos e que, infelizmente, muitas crianças e jovens morrem por outras causas que não o envelhecimento.  O que causa a morte? Assim resta-nos apenas admitir que nós, seres humanos, morremos porque é da nossa essência não sermos imortais. Alguns autores já imaginaram como seria a existência humana se nós fôssemos imortais. Já pensaram como seria a sociedade humana feita de gente que vive, vive, vive e não morre? No mínimo, haveria desde há muito um superpovoamento da Terra, obrigando-nos a colonizar outros planetas ou a tornar infértil a raça humana, para permitir a sobrevivência dos que já teriam nascido....Provavelmente ninguém de nós estaria aqui discutindo esse tema.  O envelhecimento biológico cumpre nossa sina de termos um fim biológico, acompanhando os ciclos de nascimento e morte de toda a natureza, quando sobrevivemos até idade avançada, após ter driblado as inúmeras ocasiões de morte que cada um de nós enfrenta ao longo de sua vida.  Leonard Shain já disse, em 1979[2], que se fôssemos como seres vivos simples e primitivos, que se reproduzem assexuadamente por multiplicação celular, poderíamos considerar-nos imortais, pois, ao nos reproduzirmos de forma como que "clonada", subsistiríamos para sempre em nossos "clones". Seríamos imortais, mas sem personalidade própria, pois seríamos idênticos a todos os "clones" saídos de nós ou que nos precederam.  Ao contrário, nós, os humanos, como todos os animais superiores, ganhamos uma personalidade única ao nascermos de forma sexuada, pois nenhuma combinação de genes, neste tipo de reprodução, é igual a outra. Assim, com a evolução, teríamos trocado a imortalidade impessoal pela individualidade mortal.  Por que falar de morte? Em nossa sociedade perdeu-se o convívio com a morte. Ela é um fato cotidiano na imprensa, como notícia das desgraças "dos outros", mas deixou de ser uma presença-experiência na vida de cada um. Poucas pessoas vêem um familiar ou um amigo morrer perto de si. Poucos sabem o que é morrer e menos ainda aprendem a morrer (a tradição budista tibetana ensina seus discípulos a morrer). Hoje a morte ocorre nos hospitais, onde também é "escondida", porque ela representa o "insucesso" do médico e da empresa hospitalar. Pois é, morrer é um insucesso, não é um ato que faz parte de nossa existência.  Rubem Alves[3], apresenta-nos a morte como conselheira lúcida (ela "tem o poder de colocar todas as coisas em seus devidos lugares") e estimula-nos a não fantasiar-nos de onipotentes para "nos livrarmos de seu toque". Seria inútil, pois conseguiríamos apenas adiá-la e "quanto mais poderosos formos perante ela (...), mais tolos nos tornamos na arte de viver":  "Não, não, a Morte não é algo que nos espera no fim. É companheira silenciosa que nos fala com voz branda, sem querer nos aterrorizar, dizendo sempre a verdade e nos convidando à sabedoria de viver".  Falar da morte é falar da vida como ela é, sem escamoteá-la, sem adulterá-la. Pois ela deveria nos acompanhar naturalmente em todas as fases de nossa vida, desde a infância até a hora de morrer.  O ideal da vida: morrer curado? O filósofo francês André Comte-Sponville[4] é o autor do título que escolhi para este artigo "Morrer curado?" Ele reconhece que a medicina moderna, ou científica, fez progressos enormes na manutenção da saúde e no combate às doenças, mas, nem por isso, diz ele, deixa-se de morrer:  "E o que mais antigo do que a morte? Seria parvoíce imaginar que a medicina pudesse mudar o todo de nossa existência, e é dessa parvoíce que se deve libertar-se primeiro."  É bem verdade que as pessoas vivem mais tempo, mas esta afirmação, para Comte-Sponville, tem apenas um sentido estatístico:  "Ora, não é "a gente" que morre: é um indivíduo, e todos eles morrem.(...) Se considerarmos esse indivíduo em sua singularidade concreta, e não mais na abstração das estatísticas, continua a ser verdade que ele vive por mais tempo do que o que ele poderia ter esperado um ou dois séculos mais cedo. Mas que morra menos, não: morre mais tarde, mas do mesmo jeito".  As pessoas pedem aos médicos que os curem, mas curar não é salvar, diz o filósofo francês:  "A saúde não é uma salvação, este é o ponto, e é o que veda à medicina ser uma religião. Porque o homem é mortal, a medicina traz em si seu limite ou seu fracasso. Profissão trágica, portanto, que se confronta com o pior quase cotidianamente, e que só sabe adiar o momento de sua última derrota."  Morrer curado é um paradoxo a indicar que a medicina e a saúde não bastam para evitar a morte. Mas poderia ser, também, a indicação de um caminho para a vida, ou como nos diz o mesmo Comte-Sponville:  "Se a doença é o contrário do normal, como se está de acordo em pensar, cumpre tirar daí as conseqüências: a velhice não é uma doença, a morte não é uma doença, já que é normal que se envelheça e que se morra. Que se possa morrer com boa saúde não é, então, nem absurdo nem contraditório. Envelhecer e morrer fazem parte de nosso destino comum, de nossa normalidade biológica."  Morrer curado pode significar que é possível morrer tendo boa saúde (num acidente, numa tragédia) ou, também, que não precisamos de viver uma velhice doentia para morrer. Podemos viver uma velhice "sarada" e, no fim e só no fim, morrer, como se diz, de morte "natural".  Vida saudável, velhice saudável Esse é o caminho escolhido por muitas pessoas, as quais entenderam que hábitos saudáveis de vida mantêm nosso organismo em melhores condições para enfrentarmos, durante toda a vida, e inclusive na velhice, o impacto de possíveis desequilíbrios advindos de problemas internos ou externos. Não se trata de perseguir a todo custo um ideal de saúde, como se esta fosse a nossa felicidade, mas de reconhecer que o nosso organismo é um sistema aberto, em contato com todos os demais sistemas orgânicos da Terra e do universo. Como tal, possui enorme capacidade de auto-regulação e transcendência (auto-superação), permitindo-nos alcançar um equilíbrio sempre renovado entre o corpo, a mente e o mundo que nos rodeia.  Este equilíbrio é essencial para que possamos gozar a plenitude da vida, na busca da felicidade e do sentido do viver[5].  Autocuidados para a autocura (self-healing) A maioria das pessoas sabe, hoje em dia, quais são as práticas saudáveis de autocuidado para manter sua saúde ou para recuperá-la. Quem não sabe que é necessário ter uma alimentação variada e processada artificialmente o menos possível; não abusar de drogas de todo tipo; fazer exercícios, combatendo o sedentarismo; estar conectado com a realidade de forma positiva, afastando sentimentos negativos; manter ligações afetivas e saber expressar sentimentos; ocupar o tempo com atividades relevantes, para si mesmo e para os outros? O que muitas pessoas não sabem fazer é conseguir mudar sua rotina de vida para ajustá-la a tais práticas saudáveis.  Para Meir Schneider, criador do método Self-Healing (autocura)[6], a resistência à mudança de rotina, que provoca a doença ou impede sua cura, é devida à nossa mente. Segundo ele, "a mente é uma consciência não-material que habita todas as partes do corpo" e que faz a mediação entre o corpo e o mundo exterior (percepção) e entre o corpo e o cérebro (informação ao cérebro e execução motora). A mente é rígida e limita nossa capacidade de utilizar o cérebro, sendo que nosso corpo é uma criação de nossa mente: o corpo faz o que a mente (não o cérebro) manda. Assim, "se eu achar que não posso executar determinada tarefa, minha mente informará isso a meu cérebro, e este instruirá meus músculos no sentido de que não podem fazê-lo." É dessa forma que muitas pessoas conseguem não se mexer, apesar de saber claramente que o sedentarismo faz mal a elas e que uma boa caminhada diária poderia recuperar sua saúde abalada. Sua mente pensa que seu corpo não agüentaria cinco minutos de caminhada e, por isso, seu cérebro não requisita os músculos para caminhar; assim, elas nem tentam dar os primeiros passos.  Meir afirma que a inteligência inata do corpo é impedida de expressar-se devido às limitações impostas pela mente e que nenhuma patologia pode ocorrer sem a plena cooperação da mente.  Superando as dificuldades para a autocura A mesma realidade que nos amarra aos nossos hábitos não saudáveis pode servir para superá-los. Meir expressa esta verdade, dizendo que "a compreensão de que a mente governa o corpo é o primeiro passo vital para a compreensão do corpo e de suas funções". Assim, por intermédio da mente também podemos reeducar os músculos de maneira vantajosa, para obtermos uma cura. A mesma mente que pode nos apequenar, pode nos agigantar. A mesma mente que pode nos convencer de que não vamos sarar, pode alimentar em nós a certeza de que podemos nos curar.  Para obter uma cura, Meir alerta-nos:  "devemos trabalhar não só com o corpo, mas também com a mente, de modo que o conceito não-material da saúde se manifeste em nosso ser material. Isso demanda, é claro, muito trabalho. As mãos carinhosas de um amigo, terapeuta, pai ou companheiro, podem ajudar a propiciar uma saudável estimulação aos nossos músculos e aos nossos nervos."  Mas como enfrentar a depressão que muitas vezes assalta pessoas que de repente vêem seu corpo tomado por uma grave enfermidade? O primeiro passo é modificar nosso pensamento, diz Meir:  "Por intermédio da mente, é possível inverter o processo de degeneração física. Podemos eliminar a idéia de inevitabilidade da doença. Se nos sentirmos fracos, pequenos ou indefesos, podemos praticar exercícios -físicos e mentais- que nos darão um sentido de expansibilidade."  O segredo para sairmos de nossa depressão é apegarmo-nos a alguma descoberta repentina de alívio ou prazer que surja em nosso corpo, como uma âncora valiosa para uma longa caminhada de cura:  "Se observamos no corpo alguma tendência para melhorar, qualquer indicação de que um processo de degeneração está sendo invertido, devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para estimulá-lo. Podemos permitir ao corpo que fique mais à vontade consigo mesmo, que se torne mais flexível e menos sujeito ao estresse. Ainda que tenhamos sofrido danos nos nervos e nos músculos, esses tecidos podem regenerar-se mediante um programa de exercícios mentais e físicos."  Este é o caminho do "milagre" e quem pode fazê-lo não é o terapeuta, mas você que espera por ele.  ARTIGOS DO AUTOR  - Massagem, ainda que tardia  - Por que autocuidados na velhice? - Morrer curado?  - Esqueceu-se de respirar e morreu  - Envelhecer sem visão?  - Envelhecimento, plasticidade do cérebro e saúde  - Fundamentação, assentamento, grounding (sobre terapia bioenergética - 6 p.)  - Esclerose múltipla (síntese da literatura científica e do Método Self-Healing - 29 p.)

(os últimos dois artigos devem ser requeridos ao autor: v.giulio@hotmail.com [1] Este artigo foi escrito originalmente para o Portal do Envelhecimento www.portaldoenvelhecimento.net [2] Citado por Fritjof Capra em seu livro "O ponto de mutação", São Paulo: Cultrix, 1997, p.277.  [3] Rubem Alves. O médico. 3.ed., Campinas, SP: Papirus, 2002, p. 67 e 76.  [4] André Comte-Sponville. Bom dia, angústia! São Paulo: Martins Fontes, 2000, p.59-75.  [5] Em meu livro "Abraço afetuoso em corpo sofrido: saúde integral para idosos" abordo mais extensamente o conceito sistêmico de saúde, numa visão transdisciplinar e holística (São Paulo: editora SENAC, 2002, 192 p.).  [6] Para conhecer melhor este método, acessar o site da Self-Healing Brasil ou consultar os livros editados por editoras Cultrix e Triom. Todas as citações de Schneider neste artigo foram retiradas do livro "Uma lição de vida" editado por Cultrix em 1996 (capítulo 14).


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